quarta-feira, 27 de junho de 2012

Veganismo e montanhismo, é possível?


Veganismo. Mais que uma dieta, é uma escolha para um modo de vida, onde a pessoa abdica totalmente de qualquer vínculo com o sofrimento animal, passando a não consumir mais produtos de qualquer ordem, alimentícios ou não, que tenham origem nos animais. Em um mundo em que fomos ensinados e nos acostumamos a ser desumanos, e com a banalização da vida de todos os seres, inclusive do homem, os veganos são vistos muitas vezes como extremistas, radicais, ecochatos e muitos outros adjetivos.

Ser vegano é um grande desafio, moral, físico, psicológico, social. Na verdade, é uma grande aventura. E ser aventureiro, esportista, montanhista e vegano, é possível?

Sou gaúcho, já comi muita carne e utilizei muitos produtos sem me preocupar com a sua composição e origem durante quase todos os meus 40 anos de vida. E nunca disse que carne não é saborosa, que couro não é confortável ou que queijos não são uma delícia. Sou vegetariano a aproximadamente 3 anos e vegano a 4 meses, quando me deu o “clic” de que todos os seres deveriam ter os mesmos direitos a vida e a liberdade, no sonho de um mundo onde os homens não seriam prepotentes e arrogantes em relação a natureza e aos seres que habitam nosso planeta. Um esforço de enxergar e viver a vida de uma maneira diferente, de mudar.

Recentemente vi uma discussão no Facebook entre um aventureiro contra o uso de roupas e equipamentos com plumas de ganso, o conhecido “down” utilizado em casacos para o frio e sacos de dormir, e um grupo também de aventureiros com opiniões diferentes sobre o tema, que me fez refletir bastante sobre o assunto. Quem era contra o uso deste material agredia os demais incitando que então comessem também foie-gras (pra quem não sabe, comida feita com fígado de pato). Quem era a favor em parte não via outra solução para o frio ou chegava a expor sua indiferença com os animais. Morte aos gansos!!! Que na verdade não morrem para que suas plumas sejam colhidas e utilizadas, são apenas privados de sua liberdade, vivendo em condições muitas vezes precárias com outras centenas ou milhares de sua espécie, em situação muito diferente da que teriam se fossem considerados animais e não produtos (matéria prima), ou se tivessem nascido beijaflores, araras azuis ou quem sabe pandas.

Tá e aí? Dá ou não dá pra juntar as duas coisas?

Dá. Simples assim.

Equipamentos e Vestuário

A primeira questão é o vestuário. Já antes de decidir (tentar) virar vegano, abdiquei de utilizar qualquer produto em couro e lã, doando tudo o que eu tinha. Foi fácil. Normalmente as roupas técnicas de aventura são feitas de material sintético de alta tecnologia. Cada vez mais temos opções de roupas mais leves e mais eficientes, tanto para o calor quanto para o frio. Temos os tecidos tipo Fleece, Dryfit, Cordura, Tactel, Polartec, Climacool entre várias outras tecnologias, patenteadas ou não, todas de material sintético, utilizadas pelas principais marcas técnicas e esportivas, nacionais e de fora do país. Temos camadas de GoreTex, OmniDry, Triple Point Ceramic e outras para impermeabilidade. Temos botas para trekking totalmente sintéticas, como alguns modelos da brasileira Vento e também da Salomon, sem citar outras marcas disponíveis no exterior. E temos pesquisas de ponta até para substituir as “down suits” (roupas inteiras feitas de plumas de ganso, utilizadas para alta montanha, como escaladas ao Everest) por opções com Aerogel, muito mais leves, compactas e que dão maior flexibilidade para o montanhista, com a promessa do mesmo nível de conforto térmico, como esta apresentada aqui mesmo no blog em fevereiro de 2010, provavelmente ainda muito cara para a maioria dos mortais até a tecnologia se popularizar, mas disponível.

A direita, casaco composto de Aerogel para uso em alta montanha, 
equivalente ao casaco de plumas de ganso, a esquerda.

Pessoalmente não compro mais nada de vestuário que não seja sintético, embora ainda tenha um saco de dormir para -29C, um casaco leve e um colete pesado de plumas que ainda não achei substituto viável. Pesa na consciência na hora de usar? Sim. Vou receber críticas de veganos e onívoros por isto? Sim. Produtos sintéticos também degradam o meio ambiente? Sim. Mas, como um ser considerado racional, procuro fazer o que posso, dentro dos limites disponíveis e condições necessárias. Espero realmente em breve trocar tudo por Aerogel ou outra tecnologia nova que permita de forma leve suportar temperaturas extremas a que eventualmente me submeto. Da mesma forma que até a próxima troca dos pneus do meu carro por pneus da Michelin, que não utilizam carcaças de animais na composição, terei que utilizar os atuais até gastarem.

Alimentação

A segunda questão, que considero mais complicada para a maioria das pessoas, é realmente a alimentação. Ser vegano significa não comer carnes, peixes, ovos, leite e derivados, mel e nada mais que condicione os animais ao desejo humano pelos sabores, e não pela necessidade como muitos ainda pensam (fato já comprovado por inúmeras pesquisas de instituições e universidades conceituadas ao redor do mundo). E grande parte dos produtos industrializados sempre possui algum ingrediente de origem animal na composição ou no processamento. Se você pensar, até o pão de sanduíche normalmente contém leite. Mas existem alternativas! Desproporcionais na verdade, pois são centenas de alimentos de origem vegetal comparados a poucas dezenas de alimentos de origem animal, com a vantagem ainda de serem menos perecíveis, fator importante para a vida outdoor. E além disto, já existem no mercado brasileiro dezenas de produtos com origem na soja e outros vegetais, e cada vez mais a preocupação da indústria com este público “verde”. Tem até salsicha vegetal, muito mais saudável que as demais.

Para exemplificar a questão da alimentação, trago a experiência recente de uma “expedição” de 6 dias ao topo do Monte Roraima, somados a 3 dias no Salto Angel e outros 9 dias entre Boa Vista e o Parque Nacional do Viruá, em Roraima. Detalhe: sem comer carne de soja, como todos pensam ser a única alternativa (a qual não gosto muito por não ter sabor se não for muito bem temperada).

A preparação da minha alimentação começou ainda em casa. Incluí na minha bagagem 7kg de alimentos que utilizaria no total dos 18 dias que passaria em viagem, boa parte em locais remotos sem a opção de uma compra de última hora ou disponibilidade no cardápio da empresa de aventura que estaria dando o suporte na expedição. Levei basicamente macarrão do tipo “grano duro”, que não contém leite e ovos, acondicionados em potes especiais com tampa disponíveis nos supermercados, em quantidade para até 10 dias, junto com caldo de vegetais em tabletes (iguais aos de carne ou frango, mas puramente de vegetais) e molho vermelho. Levei embutidos como tomates secos, champignons, pepino, mini-milhos, azeitonas, cenouras e outros para o preparo da comida, junto de potes herméticos da marca Nalgene. Preparei rações diárias, separadas em sacos plásticos vedados, para reforço do café da manhã, lanche de trilha e complemento para a janta. Entre estes, diversos tipos de grão e sementes, como castanhas, amêndoas, chia, quinoa, gergelim, principais fontes de proteína; frutas secas e desidratadas, como maçã, banana, abacaxi, figo e damascos; guloseimas, como chocolate a base de leite de soja (há uma opção muito boa da Olvebra e descobri recentemente uma opção da Garoto que não leva leite de vaca), biscoitos, balas e salgadinhos (basicamente batatas Pringles). Tudo 100% vegano, e acondicionado em um grande saco estanque para proteção.

Cozinha improvisada pela equipe da Roraima Adventure 
em uma gruta no Monte Roraima. Cozinha outdoor, mas "vegan firendly"!

Antecipadamente a viagem, comuniquei a operadora sobre minha opção alimentar, indicando na lista de ingredientes fornecida por eles, as opções que eu utilizaria para a minha alimentação. Quase todos os ingredientes poderiam ser utilizados: vegetais, frutas, arroz, feijão, lentilhas e outros, descartando basicamente queijos e lingüiças. Durante a expedição a equipe responsável pela cozinha, incluindo indígenas Pémon da Venezuela, foram extremamente solícitos e compreensivos com minha opção. Aliás, foram muito além disto. Passou a ser uma preocupação atender aos requisitos, sendo que na maior parte das refeições não precisei me alimentar somente de macarrão como imaginava. Fui servido de feijão puro (pré-cozido), lentilha, risoto de legumes, entre outras opções de pratos quentes. No café da manhã, pães tradicionais indígenas feitos somente de água, sal e farinha ou milho, junto com marmelada, goiabada, frutas frescas, chás e sucos. Passei bem. Para a preparação do macarrão ou do risoto, além das conservas que levei, tive a disposição tomates, cenoura, pimentão e vários outros vegetais. Meu macarrão de grano duro acabou sendo na maior parte utilizado nos momentos em que preparei sozinho a minha comida, basicamente no Parque Nacional do Viruá, e parte ficou para os indígenas. Durante a hospedagem em Boa Vista e no Parque Canaima, para o Salto Angel, pude contar com opções de buffets onde sempre encontrei produtos preparados sem ingredientes de origem animal, facilitando bastante a alimentação. Sempre há opção, mesmo tendo que jantar arroz, salada e batatas fritas no restaurante do hotel.

Força de Vontade


Participar de aventuras, fazer montanhismo, é pura força de vontade. Você tem que se dispor a enfrentar dificuldades, cansaço, frio, fome, dores, longas horas de espera, mau tempo e vários outros fatores que exigem que você realmente goste do que está fazendo. Não é para qualquer um. Você precisa saber o que implica sua opção de tentar se integrar com a natureza e estar disposto a encarar todas as conseqüências de sua escolha. E por mais que alguns amigos o chamem de louco, radical, que não entendam o porque de você se submeter a estas condições e ainda gostar disto, você vai tentar explicar, e vai continuar orgulhoso e gostando do que faz. E é a sua força de vontade que fará você sair da zona de conforto e encarar de frente todos os desafios. Ser vegano é exatamente isto. É fazer uma opção e aceitar os desafios. É mudar.

Mais informações sobre o mundo vegano:

Sociedade Vegana
http://www.sociedadevegana.org

Blog Economizem Vacas!
http://economizemvacas.blogspot.com.br

Site ProVegan
http://www.provegan.com.br

Food-a-Pedia
https://www.choosemyplate.gov/SuperTracker/foodapedia.aspx

4 comentários:

Paulo Roberto - Parofes disse...

Rodrigo vamos lá:

Interessante seu texto. Gostei dos argumentos, das soluções apresentadas, admiro sua força de vontade e opção de vida. Muito legal.

Só tem uma diferença entre nós, eu gosto de ser carnívoro e não tenho nenhuma intenção de mudar completamente meu cardápio. Como te disse antes, respeito os animais. Eu sei, eu sei, "respeitar" os animais comendo a sua carne não se enquadra no seu dicionário como respeitar. Mas você entendeu o que eu quis dizer. Não mato animais, adoro todo e qualquer animal, mas sou carnívoro e gosto de ser. É a minha opção.

Aliás, vale uma ressalva aqui: Você disse que alguns chegavam a expôr sua indiferença com os animais "Morte ao ganso!!!". Quem escreveu aquilo não fui eu, foi um outro rapaz que se empolgou e no calor da discussão acabou dizendo isso. Note no mau mural que verá que foi o único comentário que eu não "cirti". Perdeu a linha e foi infeliz.

Sei sobre a tecnologia alternativa para roupas de frio mas veja bem, gastei uma grana com o meu casaco de pluma, e até que ele esteja acabado e velho (e isso vai levar anos) eu não vou simplesmente doá-lo pra ser politicamente correto. Aliás, o uso contínuo dele por muitos e muitos anos gera uma necessidade menor no mercado, já que não compro um novo por ano...E isso é comum em todo mundo que tem pluma e não é profissional patrocinado.

O que me aborreceu na discussão que gerou este texto foi a falta de tato, a infelicidade do tal do "down" em me taxar de assassino de animais porque dei minha opinião. Oras, ele me pediu! Quando dei respeitosamente e sem piadas, ele me agrediu abertamente em demonstração de pura infantilidade.

É por essas e por outras que veganos acabam sendo taxados como radicais, porque muitos são.

É preciso entender que, ser vegano é uma OPÇÃO de vocês e não de todos. Eu respeito, sempre respeitarei, tenho amigos veganos e quando vou na casa deles, como refeição vegana. Mas quero o mesmo respeito em troca e não quero ser acusado injustamente.

Como diz o velho ditado: Quem fala o que quer, escuta o que não quer. Concorda?

Repito, muito bom o texto, interessante!

Grande abraço

Parofes

George Volpão disse...

Cara, esse texto é tuido quie eu precisa para me motivar ainda mais para deixar os ovos e o leite, bem como eventuais escapadinhas para satisfazer meu egoísmo apreciando sabores da carne.

Excelente texto, com ponto de vista muito bem colocado.

Parabéns e muito obrigado.

Abraços!

Rodrigo Meurer disse...

Obrigado pessoal pelos comentários, todos bemvindos!!! Abraços!

Cristina F. de Mello disse...

Gostei do comentário do Paulo Roberto. E concordo com ele!
E também curti muito teu texto Digo. Escreves muito bem!
Abração!

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